Bicicletas: deslocamento sustentável quer incentivo e espaço
“Hoje eu falo que se eu ganhasse um carro, eu venderia e compraria boas bicicletas para a minha família inteira, porque é uma opção saudável, sustentável”. Esta fala que pode soar estranha para alguns é o relato verdadeiro de Ruth Costa, ciclista que pedala há mais de 25 anos em Belém e que levanta a bandeira do uso da bicicleta como o meio de transporte do futuro.
Moradora do bairro Águas Lindas, ela já trabalhou como empregada doméstica na capital paraense e perdia cerca de quatro horas do dia dentro de um transporte público, apenas para fazer o deslocamento de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Hoje, ela afirma que vive uma nova vida utilizando a bicicleta como principal meio de transporte.
“A gente precisa fortalecer e fazer as mulheres e todas as pessoas que moram na periferia entender que isso aqui (bicicleta) não é falta de opção, isso aqui é a solução e eu escolhi, e isso precisa ser pregado para as outras pessoas”, conta a ciclista.
Diretora e presidenta da União de ciclistas do Brasil, Ruth integra diversos coletivos, como o Pará Ciclo e o projeto Pedala Mana, que incentiva mulheres a usarem a bicicleta como instrumento de empoderamento na sociedade. Estes grupos discutem políticas voltadas para a integração da bike na vida das pessoas e lutam parar trazer mais conscientização sobre as reais necessidades dos ciclistas.
“A maior dificuldade é que o poder público precisa entender que o ciclista é parte do trânsito e que uma grande parte da população, principalmente a periférica, utiliza a bicicleta como meio de transporte. Quando isso for levado em consideração e essa infraestrutura cicloviária começar a ser feita na periferia, a gente vai ter mudanças significativas”, afirma a ativista.
Para conhecer mais da rotina de Ruth, que se preparou para viver em meio ao verde, em um dos bairros mais arborizados de Belém, nossa equipe foi até a casa em que mora. O contraste se mostra de cara já que a dona de casa consegue viver junto a plantas e árvores, empunhando a luta pelo meio-ambiente, e que ao mesmo tempo precisa mostrar que nem na periferia, onde a maioria das pessoas usam bicicletas, ciclofaixas e ciclovias estão bem afastadas,
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Malha viária cresce, mas pode ir além de pintura do asfalto
Em um dos lados das vias uma faixa é separada, pintada e tem por objetivo sinalizar que ali é de exclusividade dos ciclistas. A iniciativa tem tomado conta das grandes cidades brasileiras e garante o ir e vir de milhares de pessoas que dependem de suas bikes para chegar à escola, ao trabalho ou qualquer outro lugar com mais tranquilidade, agilidade e segurança.
É sabido da importância da iniciativa, seja pública ou privada para melhorar a mobilidade urbana, assim como da bicicleta como um meio de transporte barato, eficaz e funcional que representa menos impacto estrutural como danos ao asfalto ou agressão ao meio ambiente, uma vez que não emite gases de efeito estufa, o que tanto é cobrado pelas principais organizações mundo à fora.
Em Belém, a Cidade das Mangueiras, a Metrópole da Amazônia, a cidade escolhida para sediar a Conferência Mundial do Clima, a COP 30, daqui dois anos, e que por isso respira meio-ambiente, não é diferente, logo sempre encontrará vozes dissonantes.
Segundo a Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de Belém (Semob), a capital do Pará conta com 139,58 km de ciclofaixa, ciclovia e ciclorrota. Essa extensão é considerada insuficiente por alguns ciclistas, que encontram problemas para encaixar suas bicicletas em um trânsito cada vez mais competitivo por espaços.
“As cidades priorizam o carro, a prefeitura estrutura a cidade primeiro pro carro e depois pensa no ciclista, quando essa lógica for invertida, quando a lógica de que o maior protege o menor, e que o menor é prioridade no trânsito, a gente vai começar a mudar”, expõe Ruth Costa.
A crítica de Ruth talvez explique o grande número de acidentes de trânsito que vitimam os usuários de bicicletas. De acordo com dados do Ministério da Saúde, em 2021, 1381 ciclistas perderam a vida no trânsito do Brasil. Segundo Ruth, esta realidade só irá mudar com a criação de uma nova conscientização dos condutores de veículos.
“Uma nova estruturação que beneficie o ciclista não vem apenas com ciclovias e ciclofaixas, mas com uma nova mentalidade das pessoas no trânsito, principalmente os condutores de veículos. A gente também precisava pensar em redução de velocidade, precisa pensar em compartilhamento das vias, porque o ciclista também tem direito à rua”.
((INFOGRÁFICO:
DADOS COM NÚMEROS DE MORTES, EXTENSÃO DA MALHA CICLOVIÁRIA, ETC...))
PRECISAMOS DE BICICLETÁRIOS PÚBLICOS - URGENTE!
Apesar dos problemas estruturais que envolvem o uso da bicicleta no cotidiano do paraense, e o veículo de duas rodas ainda ser um meio de transporte usado por muita gente, os problemas não estão centrados apenas no ir e vir, mas também no parar e estacionar a magrela em locais estratégicos e para isso é preciso pensar e por em prática o uso dos bicicletários públicos que podem facilitar a vida dos usuários.
Nas casas legislativas como a Assembleia Legislativa do Estado do Pará e a Câmara dos Vereadores de Belém existem projetos de lei que visam a implantação de bicicletários públicos, contudo, até o momento, nenhum foi acatado pelo poder executivo ou mesmo levado à votação pelos parlamentares de forma final.
Esta necessidade é o caso de Carla Pinheiro e José Augusto, que são casados há 23 anos, e têm a bicicleta como parte na história desse relacionamento.
Diariamente, José Augusto leva a esposa em uma bicicleta até a parada de ônibus localizada há cerca de três quilômetros de onde moram. Lá, ela precisa pegar um coletivo para ir até o trabalho que fica na avenida Almirante Barroso, em um bairro onde o ônibus mais próximo de casa deles não chega, ou seja, ou ela pega duas conduções, o que traria um gasto a mais nas finanças, ou andaria de 15 a 20 minutos para conseguir um coletivo apenas. Essa rotina é necessária para viabilizar a chegada de Carla ao trabalho, como auxiliar administrativa.
“Há uns 6 meses a moto dele foi roubada, antes nós tínhamos a moto e ele me levava pro trabalho. Só que depois que ele perdeu a moto, ele passou a me trazer na parada de ônibus. Se não fosse o transporte de bicicleta eu teria que pagar quatro ônibus, dois para ir e dois para voltar”, explica Carla, lembrando que não viu nenhum bicicletário adequado nas proximidades da parada de ônibus. Se ali existissem daria para ir e voltar com a bicicleta presa devidamente enquanto trabalha.
O marido José Augusto não utiliza a bicicleta apenas para o transporte da esposa. Atravessando diversos bairros de Belém sobre duas rodas, o eletricista autônomo também atende diversos serviços solicitados, os quais seriam facilitados se houvesse bicicletários na cidade, uma vez que ele é obrigado a guardar a bike em locais inadequados e de forma improvisada.
“Temos uma amiga que recentemente perdeu a bicicleta por conta disso, por que ela deixou num local sem segurança, Inadequado, por mais que ela prendeu, alguém arrombou o cadeado, porque não era suficiente, não era seguro o local que ela deixou”, relata Carla preocupada com o marido.
Apesar das dificuldades enfrentadas no trânsito, José Augusto defende o uso da bicicleta como um meio de transporte que deveria ser mais utilizado e respeitado em Belém.
“Se as pessoas pudessem deixar o carro um pouco de lado. A moto eu não faço mais questão. Pra mim é legal isso aqui, a bicicleta, bicicleta é maravilhoso. É cansativo? É, porque tem lugares que é um pouco distante e isso acaba cansando um pouco, né? Mas faz bem pra saúde, então tá tudo bem”, diz ele com um sorriso no rosto enquanto aguarda a esposa entrar no transporte coletivo.
CASAL QUE PEDALA UNIDO, PERMANECE UNIDO - VEJA MAIS NO VÍDEO!
O bom humor de José Augusto pode ser explicado pelo uso contínuo da bicicleta, é o que corrobora um estudo publicado na revista científica Enviromental Health. Segundo pesquisadores do Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal), pedalar auxilia na perda de gordura, fortalecimento dos músculos e melhora a saúde mental dos ciclistas.
TRABALHADORES DA CONSTRUÇÃO E O DILEMA DA BICICLETA OU NÃO
Mas além dos benefícios para a saúde do corpo e da mente, a bicicleta também exercr forte influencia na vida financeira de muitos trabalhadores em Belém, principalmente nos profissionais da construção civil.
Em uma rápida passagem pela cidade, que se encontra em avançado estágio de verticalização, é possível enxergar dezenas de prédios sendo erguidos e ao mesmo tempo centenas de bicicletas estacionadas de forma inadequada, principalmente nas proximidades dos canteiros de obras.
Na avenida Roberto Camelier, no bairro do Jurunas, a grade de proteção de árvores, ou mesmo postes de energia elétrica, acabam sendo utilizados como bicicletário improvisado. A reportagem até tentou falar com um dos trabalhadores, para saber o que pensam a respeito, mas acabou barrada pelos responsáveis pelo empreendimento.
Para o presidente do sindicato dos trabalhadores da construção civil, Ailson Cunha, os trabalhadores encontram na bike a única forma de manter o emprego e economizar parte da renda, que seria gasta com transporte coletivo.
“Nós sabemos que hoje a dificuldade que o nosso trabalhador da construção civil tem é de se locomover para o trabalho, a nossa convenção é muito clara, que as empresas são obrigadas a fornecer o vale transporte para os trabalhadores chegarem de casa para o local de trabalho. Mas nós sabemos que muitos trabalhadores usam o meio de transporte da bicicleta para aumentar a sua renda”, explica o líder sindical.
Para o líder dos trabalhadores, é necessário que o poder público dê mais atenção para quem usa a bicicleta diariamente pelas ruas de Belém, com políticas públicas que garantam mais segurança no trajeto de ir e vir do local de trabalho.
“Precisava algo para garantir a vida desses trabalhadores quando eles saem para trabalhar, porque hoje os trabalhadores precisam da sua bicicleta. Mais ciclovias, ciclofaixas, bicicletários, tudo que seria garantido para o trabalhador ter a sua segurança de chegar no seu local de trabalho e voltar para casa, porque todo dia quase a gente vê acidentes com vítimas fatais, e muitos desses são trabalhadores nossos da construção civil”, diz Ailson.
VEJA O VÍDEO:
BICICLETA, O INSTRUMENTO DE TRANSPORTE QUE PODE SALVAR O PLANETA
A busca por soluções sustentáveis que impeçam a degradação do meio ambiente tem sido uma das pautas políticas internacionais mais importantes atualmente. Países do mundo tudo estudam e fazem pesquisas para propor um consumo e um modo de vida humano que coexista com a natureza, de forma que os recursos naturais não sejam extintos em função da exploração do homem.
As mudanças climáticas bruscas que causam impactos severos em todo o planeta colocaram ainda mais urgência na criação de políticas públicas que combatam o aquecimento global. De acordo com um relatório do Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus, da União Europeia, a temperatura média diária do planeta atingiu níveis nunca vistos em 2023, sendo o mês de junho o mais quente já registrado por uma margem substancial”.
A preocupação com o planeta acelera a busca por ações efetivas que diminuam a temperatura do planeta, e neste sentido, a bicicleta pode ser uma grande aliada do meio ambiente, já que é o único meio de transporte totalmente limpo, que não gera nenhum tipo de emissões danosas à atmosfera.
Um estudo realizado pelo chamado Laboratório de Mobilidade Sustentável, da UFRJ), em parceria com a Aliança Bike, concluiu que cada um dos mais de 8 mil brasileiros que usam a bicicleta no lugar do carro como meio de transporte deixa de emitir 4,4 kg de CO2 por ano.
A luta para salvar o planeta é mais um fator que faz Ruth Costa ser uma ativista pelo uso da bicicleta. Em sua casa, uma área de 120 metros quadrados cercada de diversas plantas e árvores, ela conta que os grupos de ciclistas trabalham fortemente a conscientização sobre a preservação do meio ambiente.
“A gente sabe que o carro é um dos maiores emissores de gases poluentes do planeta, por isso a importância de políticas públicas que incentivem os modais ativos, modais que não poluem o meio ambiente. Tem gente que ta ali pedalando e não sabe o quanto o pedalar dele é importante para o meio ambiente. É preciso trabalhar uma mobilidade mais sustentável, uma mobilidade mais democrática e quando a gente fala em cidades mais democráticas, a gente fala de ruas arborizadas, onde as pessoas conseguem pedalar mais, caminhar mais e isso tem um impacto significativo no meio ambiente”, explica Ruth Costa.
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