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GÁS CARBÔNICO

Tecnologia brasileira projeta futuro da floresta amazônica

Modelos de vegetação têm sido amplamente utilizados para explorar o destino do balanço de carbono da floresta amazônica sob condições climáticas projetadas para o futuro.

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Imagem ilustrativa da notícia Tecnologia brasileira projeta futuro da floresta amazônica camera | Divulgação

Um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveu um algoritmo capaz de projetar o futuro da vegetação amazônica, apresentando cenários com transformações da floresta provocadas pelas mudanças climáticas.

Um dos resultados mostra que um clima mais seco na região, com redução de 50% na precipitação, poderia aumentar a diversidade, porém com menores índices de estocagem de carbono.

Isso porque haveria um aumento de armazenagem de dióxido de carbono (CO2) nas raízes da vegetação em detrimento da absorção por meio de folhas e troncos, que têm maior capacidade de acúmulo. Levando em consideração diferentes situações, os cientistas calcularam que a absorção poderia ser entre 57,48% e 57,75% menor em comparação a condições climáticas regulares.

Primeiro algoritmo desse tipo exclusivamente brasileiro, foi apelidado de CAETÊ, que na língua tupi-guarani significa “mata virgem”. O nome vem da sigla CArbon and Ecosystem functional-Trait Evaluation model (em tradução livre: modelo para avaliação de características funcionais de carbono e de ecossistema). Seus primeiros resultados estão descritos em artigo publicado na revista científica Ecological Modelling.

O CAETÊ simula fenômenos da natureza usando equações matemáticas alimentadas por dados de condições ambientais, como chuva, incidência solar e níveis de CO2. Com essas informações, o algoritmo responde qual pode ser a taxa de fotossíntese em determinadas condições ou em qual parte a planta estocará mais carbono (raízes, folhas ou troncos). Por meio dessa informação, é possível chegar à quantidade de carbono que a floresta pode armazenar e em qual ponto a vegetação nativa não se recupera mais.

“O principal resultado da pesquisa foi mostrar que a inclusão da diversidade em modelos de vegetação melhora a capacidade de projeção frente às mudanças climáticas, aumentando a credibilidade. E o segundo ponto, um resultado inesperado, mostra que, após aplicar uma redução de 50% na precipitação, houve um aumento na diversidade de estratégias das plantas, mas com menor retirada de carbono da atmosfera. Isso pode ter um resultado diferente sobre a mitigação das mudanças climáticas. Neste caso, aumentar a diversidade necessariamente pode não indicar um saldo positivo”, afirma Bianca Fazio Rius, primeira autora do artigo e doutoranda do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp.

Rius recebe apoio da FAPESP, que também financiou o estudo por meio de bolsa a João Paulo Darela Filho e do AmazonFACE, um programa de pesquisa que estuda, por meio de experimento de campo, como o aumento de CO2 atmosférico afeta a floresta amazônica, sua biodiversidade e os serviços ecossistêmicos (conheça aqui: amazonface.unicamp.br/#).

A pesquisadora integra a equipe do Laboratório de Ciência do Sistema Terrestre, coordenado pelo professor David Montenegro Lapola, que orientou o estudo.

“Com o CAETÊ, ao mesmo tempo em que se busca melhorar a representação da enorme diversidade biológica da maior floresta tropical do mundo, também cria-se um estímulo à coleta de dados em campo que ainda são necessários para esse tipo de modelo”, explica Lapola à Agência FAPESP.

O professor foi um dos brasileiros que, juntamente com outros 34 cientistas de instituições nacionais e internacionais, assinaram artigo destacado na capa da revista Science, no início deste ano, mostrando que cerca de 38% da atual área da Amazônia sofre com algum tipo de degradação causada por quatro fatores – fogo, extração seletiva de madeira (em sua maioria ilegal), efeitos de borda (que são mudanças em regiões de floresta ao lado de zonas desmatadas) e secas extremas. O resultado é que as emissões de carbono derivadas da perda gradual de vegetação são equivalentes ou até maiores do que as registradas por desmatamento.

Vantagens e desvantagens

Modelos de vegetação têm sido amplamente utilizados para explorar o destino do balanço de carbono da floresta amazônica sob condições climáticas projetadas para o futuro. Estudos anteriores já mostraram que nos últimos 40 anos a Amazônia ficou 1 oC mais quente e chegou a ter uma redução de até 36% no nível de chuvas em algumas áreas. Como reflexo do desmatamento, da degradação vegetal e do aquecimento global, a floresta também tem perdido sua capacidade de absorver CO2.

Além disso, relatório divulgado em 17 de maio pela Organização Meteorológica Mundial alerta que a temperatura global deve atingir níveis recordes nos próximos cinco anos por causa dos gases que causam o efeito estufa e do fenômeno El Niño, com previsão de redução no regime de chuvas para a Amazônia.

No entanto, os algoritmos atuais usam como base um pequeno conjunto dos chamados tipos funcionais da planta (PFT, na sigla em inglês), com sub-representação da diversidade. Com isso, a combinação de características encontradas nos ecossistemas-modelo é simplificada diante da complexidade da maior floresta tropical do mundo, gerando cenários limitados ou que superestimam os impactos das mudanças ambientais.

Entre os tipos existentes atualmente estão os modelos dinâmicos de vegetação global (DGVMs) – softwares que fazem simulações e projeções da dinâmica vegetacional de uma região, entre eles o Jena Diversity (JeDi). Por outro lado, entre as vantagens das simulações, está o fato de elas não dependerem de logística e de grandes investimentos, necessários para a realização de um experimento de campo em larga escala.

Ponto de inflexão

Rius explica que o estudo não foca em espécies. “Usamos a ideia de que cada indivíduo, mesmo indivíduos dentro de uma espécie, pode ser considerado um tipo de estratégia para lidar com o ambiente. Não necessariamente as estratégias criadas computacionalmente pertencem a uma determinada espécie”, diz.

A pesquisadora explica que as estratégias representam um conjunto de características de plantas ou de qualquer ser vivo que vão dizer como ele responde ou afeta o ambiente. Ou seja, uma planta que adapta a profundidade da raiz para poder acessar água dependendo da altura do lençol freático. Isso pode determinar a sobrevivência e a reprodução desses indivíduos, estando ligado aos serviços ecossistêmicos, como a capacidade de absorção de carbono ou a geração de umidade para o ciclo de chuvas.

“O que vimos com o clima ficando mais seco foi uma mudança na ocorrência de tipos de estratégia de vida na Amazônia. Observamos um aumento na ocorrência de estratégias semelhantes às do Cerrado. É como se houvesse um adentramento do Cerrado na floresta, desfecho que outros trabalhos já trouxeram”, completa Rius.

Os cientistas destacam que a pesquisa com o CAETÊ trouxe mais evidências de que a inclusão da variabilidade e de diversidade pode ter implicações para a modelagem do chamado “ponto de inflexão” da Amazônia, quando a vegetação natural não consegue mais se recuperar. Um dos primeiros artigos a tratar do tema foi assinado pelos pesquisadores Thomas Lovejoy (1941-2021), biólogo que cunhou o termo “diversidade biológica”, e Carlos Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia, destacando a importância do ciclo hidrológico da floresta tropical não só para o Brasil como a América do Sul e outras regiões.

Por meio da evapotranspiração, a floresta garante ao longo de todo o ano a umidade que contribui, por exemplo, para chuvas em partes da bacia do rio Prata, especialmente no sul do Paraguai, do Brasil, Uruguai e centro-leste da Argentina.

Histórico

O CAETÊ começou a ser criado em 2015 com base no modelo ecossistêmico CPTEC-PVM2, que teve Lapola como um dos envolvidos no desenvolvimento inicial.

“A maioria dos modelos de vegetação representa a Amazônia com dois ou três tipos de estratégias. A proposta foi incluir maior diversidade. Vamos continuar a desenvolvê-lo, porque um modelo nunca está pronto”, afirma Rius.

Nessa linha, a doutoranda do IB da Unicamp Bárbara Cardeli se juntou ao grupo e está trabalhando no modelo para incluir um módulo visando quantificar os serviços ecossistêmicos. “A ideia é que, de uma maneira simples, seja possível ver por meio de alguns processos, por exemplo, como as estratégias da vegetação alocam carbono, quais serviços ecossistêmicos estão assegurados ou não. Queremos incluir dados numéricos, valores, de como está o oferecimento desses serviços”, conta Cardeli.

Na visão dos pesquisadores, o CAETÊ pode vir a ser uma ferramenta que forneça dados para tomada de decisões e construção de políticas públicas voltadas ao mercado de carbono. O Brasil assumiu durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26) o compromisso de reduzir em 50% as emissões de carbono do país até 2030 em relação aos dados de 2005 e neutralizá-las até 2050.

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