Não é de hoje que a pecuária caminha rumo a uma produção intensiva que garanta maior sustentabilidade econômica à atividade. O aspecto positivo que desponta com isso é que o caminho da intensificação da produção agropecuária também está levando ao trilho da sustentabilidade ambiental. O cenário é apontado por um estudo realizado por pesquisadores do Grupo de Estudos em Ruminantes e Forragicultura na Amazônia (GERFAM), da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), que já reúne resultados significativos em relação à participação da pecuária intensiva no sequestro de carbono pelo solo.
Apresentados no 32º Congresso Brasileiro de Zootecnia, realizado no final de maio e início de junho deste ano, no Rio Grande do Norte, os primeiros dados obtidos pelo trabalho “Como as mudanças no uso da terra afetam os estoques de nitrogênio em solo argiloso no arco do desmatamento da Amazônia?” levaram à sua premiação na condição de destaque na área temática de forragicultura e pastagens.
Criador do GERFAM, o docente da Universidade Federal do Ceará (UFC) e do Programa de Pós-Graduação em Saúde e Produção Animal na Amazônia da Ufra, e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal no campus da Universidade Federal do Pará (UFPA) de Castanhal, o professor dr. Aníbal Coutinho do Rêgo considera que a intensificação de sistemas é exatamente uma das alternativas para se aumentar a produção agropecuária na região amazônica de forma sustentável.
Partindo desse entendimento, uma das linhas de pesquisa desenvolvidas pelo grupo de pesquisa busca demonstrar que, com sistemas intensivos de produção, o sequestro de carbono no solo acaba se assemelhando ao da floresta, possibilidade que vem sendo confirmada pelos resultados preliminares obtidos. “Muitas vezes a gente pensa que só a floresta em pé tem bastante carbono, quando a gente observa só esse extrato acima do solo, mas a gente está avaliando especificamente, nas pesquisas, o estoque de carbono que está no solo”, explica. “Quando a gente trabalha de forma intensiva e de forma racional, usando bem o que é produzido pelos capins, as nossas pesquisas têm apontado que um pasto bem manejado, de forma intensiva, estoca até um pouco mais de carbono do que, por exemplo, as áreas de floresta”.
Os primeiros trabalhos realizados pelo grupo de pesquisa no Pará iniciaram em 2018, especificamente no município de Nova Esperança do Piriá, onde os pesquisadores puderam avaliar o efeito da mudança da terra que acontece nesta região caracterizada como o arco do desmatamento da Amazônia, onde há uma maior concentração das atividades agropecuárias. “A gente avaliou exatamente a mudança no uso da terra que aconteceu de floresta para pasto, de floresta para agricultura e a relação com estoques de carbono no solo. Mas também é importante considerar o que é emitido pelo solo, porque o solo também emite gases de efeito estufa, os principais gases de efeito estufa são o CO² (dióxido de carbono), o metano proveniente do solo e óxido nitroso”, aponta. “Então, com relação à emissão desses gases, a gente tem observado que, quando a gente intensifica, se levarmos em consideração a intensificação como o uso de uma adubação mais pesada, a gente observou que o uso da uréia como fonte de nitrogênio reduz as emissões de metano nos solos de pastagem”.
Nesse sentido, o professor explica que, o que os dados obtidos pelo estudo até o momento mostram é que, quando se fez uma adubação mais intensa da área de pastagem, essas áreas emitiram menos metano do que quando comparado à área de floresta e à área de agricultura. Obviamente, a emissão do metano mensurada não é a emitida pelo bovino, mas sim a proveniente do solo. “Com relação ao óxido nitroso, a gente observou que os solos de pastagem têm menos óxido nitroso do que, por exemplo, o solo de agricultura. A agricultura que a gente avaliou em Nova Esperança do Piriá foi a cultura da pimenta, que trabalha com um solo que muitas vezes não tem proteção”.
Com resultados tão significativos através dos dados preliminares, o professor Aníbal Coutinho do Rêgo destaca que o trabalho iniciado em 2018 continua sendo conduzido em uma das linhas de pesquisa do GERFAM - que também conta com a participação dos professores Cristian Faturi, Thiago Carvalho da Silva, ambos da Ufra, e do zootecnista Jorge Cardoso de Azevedo. “Essa pesquisa começou apoiada, em 2018, pela CAPES, por meio de um programa de convênio entre a Ufra e a Unesp de Jaboticabal, foi quando nós iniciamos as primeiras pesquisas. Deste convênio saíram duas teses de doutorado e, em seguida, o professor Cristian Faturi conseguiu aprovar junto à Fapespa um projeto para a gente avaliar esse cenário nas três condições climáticas que têm no Pará, segundo a classificação científica”, explica Aníbal. “Nós estamos mostrando qual foi o efeito da mudança de uso da terra e tentando desmistificar isso que colocam que a pecuária só contribui para a emissão de gases de efeito estufa, o que não é verdade”.
A perspectiva é que, por exemplo, seja possível produzir, no Brasil, o que se chama de carne de carbono neutro, em que o que o sistema emite, ele também consegue sequestrar. Para o professor, a região amazônica apresenta uma boa condição para que isso aconteça. “Estamos numa condição climática próxima da ideal, temos uma região que chove bastante, temos condições de bons solos do aspecto físico - obviamente que em algumas regiões a gente precisa trabalhar em cima de fertilidade, mas o Brasil já tem uma tecnologia que não é nova para se corrigir isso, então, é fácil a gente resolver isso para deixar o sistema competitivo”, avalia. “A pecuária não tem mais espaço para aventureiros, por isso que a gente defende exatamente a profissionalização da gestão da atividade e a assistência técnica. O produtor que está na Região Amazônica tem que ter essa consciência ambiental, agora, precisa também de um apoio governamental. A gente está em uma região em que a legislação brasileira prevê a preservação de 80% das áreas de uma propriedade rural, então, o produtor precisa ser subsidiado, incentivado para manter essa vegetação intacta, preservada”.
Para o professor associado da Ufra e integrante do GERFAM, Cristian Faturi, o caminho da pecuária segue justamente esse destino, o da intensificação da produção a partir de conhecimento científico. “Aquele produtor extensivo, como a gente tinha antigamente, que tinha uma baixa taxa de lotação, uma baixa produção forrageira não está conseguindo mais se sustentar no sistema, então, o caminho de uma pecuária sustentável passa por uma intensificação porque, para ser sustentável, ela também tem que ser economicamente sustentável se não o produtor acaba desistindo da atividade e o bom disso é que o caminho da intensificação também está levando ao caminho da sustentabilidade ambiental”.
No que se refere à avaliação das condições de sequestro de carbono pelo solo da pecuária intensiva diante de diferentes condições climáticas, o professor explica que a pesquisa pretende verificar se há possíveis variação. “As diferenças entre os climas vão trazer diferenças também em temperatura, em precipitação, em quantidade de chuva. Além disso nós temos uma variação grande de tipo de solo no Estado, então, isso acaba afetando a produção forrageira, acaba afetando a microbiologia do solo que é responsável por fazer essa mineralização da matéria orgânica em matéria mineral e sequestrar e fixar esse carbono no solo. Então, a nossa ideia é comparar, ver como que se comporta nos diferentes climas, para ver se tem essa variação”, explica. “Mas, o mais interessante foram esses primeiros resultados que nós tivemos já, que foi da região de Paragominas. Esses resultados são muito interessantes e acredito que muito importantes para a pecuária paraense e para a pecuária brasileira”.
Para além dos primeiros resultados que mostram que um pasto intensivo sequestrou mais carbono no solo do que a própria floresta, as análises também demonstraram um bom desempenho no que se refere ao uso de um pasto bem manejado, mesmo que não intensivo. “Um outro resultado que a gente verificou é que um pasto bem manejado dentro das tecnologias que a gente dispõe de pastejo rotacionado, mesmo não sendo tão intensivo com adubação, ele sequestrou tanto carbono quanto a floresta.
E o intensivo sequestrou mais do que a própria floresta”, diferencia. “O que a gente pode apontar é que a pecuária brasileira está caminhando nesse rumo da intensificação, então, o caminho que a pecuária hoje está adotando está sendo aliado com o meio ambiente. No momento que a gente intensifica, também estamos ajudando no meio ambiente, também está ajudando no sequestro de carbono. Tem outros dados da Embrapa que mostram que o sistema como um todo, do que a planta sequestra de carbono e do que é fixado no solo, em relação ao que o animal emite, o sistema pecuário intensivo é positivo. Ou seja, ele sequestra mais carbono do que o boi emite para o ambiente”.
"O que a gente pode apontar é que a pecuária brasileira está caminhando nesse rumo da intensificação, então, o caminho que a pecuária hoje está adotando está sendo aliado com o meio ambiente", Cristian Faturi, pesquisador.
"Nós estamos mostrando qual foi o efeito da mudança de uso da terra e tentando desmistificar isso que colocam que a pecuária só contribui para a emissão de gases de efeito estufa, o que não é verdade", Anibal Coutinho, pesquisador.
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