Os indígenas Tupinambá tecem mantos há séculos, vestes sagradas usadas em rituais específicos pelo pajé, cacique e pelas sacerdotisas da aldeia. Onze peças sobreviveram ao tempo desde sua concepção por volta do século 16 e, hoje, todas elas estão na Europa.
Um desses mantos ganhou notoriedade em julho deste ano, quando o Museu Nacional do Rio de Janeiro anunciou que receberia uma doação do Museu Nacional da Dinamarca, o Nationalmuseet, após a conclusão de negociações que se estendiam desde 2021. O majestoso manto de penas vermelhas de guará, datado do século 17, estará de volta ao Brasil em 2024.
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Mas o intervalo secular foi interrompido quando, em 2006, Glicéria Tupinambá, ativista e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, costurou o primeiro manto inspirando-se nos saberes de seus antepassados. Depois que visitou o manto rubro na Dinamarca, ela foi incumbida, em sonho, de retomar a costura dos mantos com o mesmo ponto de costura daquele com 400 anos de idade.
Agora, o último manto que fez, de 2021 e com quase 4 mil penas, ganha uma exposição itinerante em São Paulo. De setembro a outubro, a veste passará pela Casa do Povo, aldeia Kalipety, Museu das Culturas Indígenas, Pinacoteca, Museu do Ipiranga e Ocupação 9 de Julho.
"O manto foi feito para as mulheres indígenas que o usavam", diz Glicéria. "A exposição é itinerante para despertar a memória da participação dos tupinambás na história do Brasil".
Para Benjamin Seroussi, curador e diretor artístico da Casa do Povo, deixar o manto exposto em um mesmo local por três meses seria prender a veste, um agente com memórias próprias para o povo tupinambá.
"O manto é um agente para os tupinambás dialogarem com o mundo dos encantados. Ele não é só um objeto a ser exposto, mas um ente, e por isso precisa estar em movimento", diz Seroussi. "Para mim é como se ele tivesse morando na casa do povo por um tempo".
O manto costurado por Glicéria é diferente daquele rubro que, em breve, estará no Rio de Janeiro. Formado por penas douradas, pretas com bolinhas brancas, azuis, brancas e laranjas, a veste parece mais curta, mas também tem um capuz.
Com um fio de algodão selado por cera de abelha, Glicéria junta as penas uma a outra. Algumas foram colhidas por crianças que, curiosas, as acharam no chão da aldeia. "O manto envolve várias pessoas e vários saberes", ela diz.
"Ele não parece exatamente o manto de pena de guará, mas 500 anos depois da invasão, o manto não poderia voltar a ser igual. A Glicéria não tentou imitar o manto antigo, mas reencontrar o gesto para chegar no que foi feito", diz o curador Seroussi.
Classificar a arte feita por indígenas como contemporânea, para Seroussi, pode ser uma faca de dois gumes. "Elas [as produções indígenas] correm o risco de serem domesticadas e ocidentalizadas, porque são levadas a entrar em cânone que dialoga mais com a produção europeia. Por outro lado, também promovem a variação [nos museus], e permitem outros caminhos para se pensar a arte."
O curador diz que o manto é exposto em boa hora, quando a discussão em torno das mudanças climáticas e da demarcação de terras indígenas estão em alta. Para Glicéria Tupinambá, um manto chama o outro, e em breve ambos estarão reunidos no Brasil.
MANTO EM MOVIMENTO
Quando De 25 de setembro a 13 de outubro, das 11 às 17h
Onde Casa do Povo - r. Três Rios, 252, São Paulo
Preço Gratuito
Classificação Livre
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