Falta de oportunidades no mercado formal de trabalho, desejo de realizar um sonho e a necessidade de sustentar a família. Esses são apenas alguns dos motivos dos vários vendedores ambulantes que trabalham nos transportes coletivos de Belém, a saírem diariamente de suas casas para encarar a realidade que pode vir acompanhada de muitas negativas, sejam dos motoristas de ônibus ou passageiros.
Assim, não é difícil encontrar esses trabalhadores informais, que fazem parte da rotina urbana da cidade. E para conseguir o dinheiro que pode ajudá-los na renda familiar ou até nos estudos, alguns contam suas histórias de vida e dependem da sensibilidade de pessoas desconhecidas para chegar ao objetivo no fim do dia.
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NECESSIDADE
Há seis meses em Ananindeua, no bairro da Guanabara, Renan Ribeiro, 30 anos, inicia a rotina de vendas, entre 7h e 8h da manhã. O vendedor ambulante já trabalhou como assistente administrativo em uma repartição pública e, apaixonado pela área da comunicação, também foi locutor em uma rádio local. Sem oportunidade para mostrar o que sabe fazer de melhor, encontrou na informalidade o caminho para persistir.
“Para vencer o desemprego e a falta de oportunidades, eu e minha esposa decidimos vender chopps de frutas nos coletivos. Mas quando não dá para vender os produtos porque estão sendo produzidos por ela, não dá para ficar parado, aí vendo doces, paçocas, bombons em geral”, explica.
A avenida Almirante Barroso é a trilha preferida do ambulante. De ônibus em ônibus, ele consegue faturar o que precisa no final da tarde. “Essa rotina é correria, a gente desce do coletivo e já tenta pegar outro. Vou assim até as 18h, até porque nesse horário os ônibus já estão mais lotados com o pessoal voltando do trabalho e a gente entende os motoristas. Além do mais, às 18h também já consegui vender tudo, graças a Deus”, destaca.
Renan também já cursou História, em uma faculdade particular de Belém, mas não conseguiu bolsa de estudo e por falta de condições financeiras, teve que largar a graduação. “Meu sonho é voltar e terminar a faculdade, um dia consigo. No momento o foco é tentar se manter, levar renda para casa”.
Segundo o ambulante, é preciso exercitar a autoestima quando se trabalha dessa forma. “Nunca me ponho para baixo, você não vai me ver contando história triste. Conto um pouco da minha vida para as pessoas saberem quem sou, me conhecerem, mas sempre estou pra cima. Quando a gente emana energia boa, recebe de volta”. Para finalizar, ele pede aos passageiros, paciência com os vendedores ambulantes. “Nós estamos na correria assim como qualquer outro trabalhador formal, a necessidade empurra muita gente para trabalhar dessa forma e meter a cara na rua todos os dias. Um pouco de escuta e paciência é primordial”, pontua.
SONHOS
Edie Carlos Cruz, 28, é mais um jovem sonhador que sai de segunda à quinta-feira do bairro de Águas Lindas, em Ananindeua, para vender doces, os famosos casadinhos. Preparados por ele, a rotina de trabalho normalmente começa às 11h e enquanto outros trabalhadores utilizam o transporte público para chegar ao serviço, para Edie, o trabalho começa assim que coloca o pé para fora de casa.
“Se vejo oportunidade, já ofereço os doces para as pessoas nas ruas. Nos ônibus, os passageiros costumam ser bem receptivos porque aproveito para contar o motivo de eu estar fazendo as vendas nos coletivos desde janeiro”, conta.
Edie, que sempre trabalhou com delivery de doces e salgados para festas, começou a lida nos ônibus desde o início do ano, mesma época em que iniciou o curso de confeitaria. Com as vendas, o ambulante tem conseguido pagar as mensalidades do curso e, feliz, conta que assim que concluir, já pensa em emendar outro. Tímido, Edie conta que não sente vergonha ao falar do motivo das vendas dentro dos coletivos, muito pelo contrário, para ele é sinônimo de orgulho e, por isso, consegue vender tudo o que precisa.
“Geralmente consigo vender tudo, preparo de 40 a 50 unidades, no valor simbólico de R$ 1,50. Por volta de 16h da tarde, já estou voltando para casa com a forma vazia. Durante a semana, o único dia que não trabalho é sexta-feira, justamente porque tenho aula de confeitaria. Inclusive, a mensalidade deste mês já está paga, graças às vendas. E assim que concluir este, já penso em me qualificar em outro”, relata.
SUSTENTO
De Marituba para o centro de Belém, Rosinaldo Moraes, 38, sai de casa às 9h30 para vender picolé nos coletivos há pelo menos 20 anos. Educado e muito simpático, o sorriso do vendedor é mais persuasivo do que qualquer outro tipo de marketing para convencer os passageiros a comprar os produtos. O ambulante já teve várias experiências no mercado formal de trabalho, mas ficou desempregado em 2003.
“Desde então comecei a vender picolé nos coletivos, já trabalhei de tudo nessa vida, o último de carteira assinada foi em um supermercado grande da cidade, quando morava no bairro da Cidade Nova. Agora é sustentar a minha família assim, na luta”, comenta.
Além do sobe e desce nos transportes públicos da capital; os vários ‘nãos’ de motoristas e a negativa dos passageiros, Rosinaldo ainda tem que se virar nos trinta para não perder a mercadoria. Ele só volta para casa após esvaziar o isopor.
“Agora não está fazendo tanto sol, mas mesmo assim tem que ter cuidado para o picolé não derreter, porque aí é prejuízo para mim. Então, tem que ser rápido, aproveitar uma brecha ali pela porta de trás, sempre tentando estabelecer relação com os motoristas, que ajudam a gente nessa”, destaca.
A renda das vendas nos ônibus é um dos pilares de sustento da família do ambulante. Apesar de todos esses anos numa rotina difícil e nem sempre tão simpática quanto ele, Rosinaldo mantém a esperança em conseguir um emprego que lhe garanta direitos. “A vida é assim, a gente enfrenta dificuldades e precisa se virar, não é? Temos dias difíceis e tudo isso faz parte. Mas acredito que ainda vou voltar a trabalhar num emprego formal, no que for”, finalizou.
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