Sob o mote "nunca foi sorte, sempre foi macumba!", a primeira Marcha para Exu pretende ocupar a mesma avenida Paulista que acolheu a edição seminal da Marcha para Jesus, três décadas atrás.
Previsto para 13 de agosto, o evento homenageará uma figura central para religiões afrobrasileiras como umbanda e candomblé.
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O anúncio da caminhada, feito em redes sociais, irritou parcelas evangélicas historicamente avessas a crenças de matriz africana.
Sites como Guia-me, Portal do Trono e Fuxico Gospel frisam que a Paulista também recebe "a Parada Gay" (Parada do Orgulho LGBT+), atacada por boa parte do segmento, e que a realização da Marcha para Jesus no espaço tem sido negada. Contudo, o próprio idealizador do ato cristão, o apóstolo Estevam Hernandes, diz que seria inviável mantê-lo na via, dada sua dimensão superlativa são centenas de milhares de pessoas nas ruas todos os anos.
Os textos também acusam a celebração a Exu de parafrasear um slogan usado por cristãos, "nunca foi sorte, sempre foi Deus".
"Em nenhum momento quis confrontar com a Marcha para Jesus", diz o empresário Jonathan Pires, 31, organizador do evento. "Nenhuma das minhas intenções foi confrontar religião de ninguém. Vai pastor no dia, vai padre [na de Exu]. Minha intenção é quebrar esse preconceito."
Pires se iniciou no candomblé aos 17 anos e, depois, migrou para a umbanda. É dele a maior página umbandista no Facebook, dedicada à pomba-gira Maria Padilha e seguida por 871 mil perfis.
"Poderia ter escolhido outro orixá, mas quero mostrar para o mundo que Exu não é o diabo. Minha intenção é quebrar esse paradigma", diz. "Exu é vida, respeito, amor. Em nome de Exu, vou carregar toneladas de alimentos para quem precisa." Pede-se para levar 1 kg de alimento não perecível no dia.
Orixá para o candomblé, e entidade na umbanda, Exu é uma espécie de mensageiro entre divindades e seres humanos. Muito da intolerância religiosa contra a religiosidade afrobrasileira parte de uma associação feita entre essa figura e o demônio no cristianismo. A Igreja Católica foi pioneira em propagar essa distorção, hoje abraçada principalmente por pares evangélicos.
O bispo Edir Macedo incluiu exus no rol de "espíritos malignos sem corpos, ansiando por acharem um meio para se expressarem neste mundo", em seu livro "Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios?". O fundador da Igreja Universal do Reino de Deus cita na sequência uma passagem do livro de Mateus: "Então, os demônios lhe rogavam: se nos expeles, manda-nos para a manada de porcos".
A demonização das crenças afro se recicla ano a ano. Em 2022, por exemplo, a Grande Rio enfureceu filões evangélicos com um samba-enredo sobre Exu. A escola de samba, por sinal, sagrou-se a campeã do ano do Carnaval do Rio.
"Sobrevivemos a um duro período centenário de opressão, perseguição, caça às bruxas, e muitas delas hoje são pomba-giras", afirma Marcelo Guti, ex-evangélico que há anos frequenta terreiros. Ele será intérprete de Libras (Linguagem Brasileira de Sinais) no ato.
"Destroem terreiros, ameaçam pais de santo, vandalizam estátuas sagradas. Sempre somos alvo de um movimento que nos demoniza e extermina. Mas a força ancestral vibra dentro de nós, trazendo estímulos para irmos às ruas manifestar nossa fé e raízes, assim como as outras religiões sempre fizeram livremente em vários lugares."
Enquanto Guti fala num "pós-fascismo/bolsonarismo" que teria nutrido "manifestações preconceituosas disfarçadas de terrivelmente evangélicas", o criador da Marcha para Exu evita comentários políticos. Explicitar um lado, segundo ele, prejudicaria a causa.
Pires afirma que vetará a presença de políticos nos dois trios elétricos que diz ter contratado para o dia 13. "Se colocar politicagem no meio, seria safado tanto quanto." Define como "nada a ver" ligações que viu na internet entre a marcha e o PT.
A Secretaria de Segurança Pública diz que o 11º Batalhão de Polícia Militar, "responsável pelo policiamento ostensivo e preventivo para garantir a ordem pública, a segurança e a livre manifestação dos participantes", se reuniu com representantes da Associação Maria Padilha, responsável pelo ato do dia 13, um domingo dia em que a Paulista já está fechada para carros.
A Prefeitura de São Paulo informa que ainda não foi comunicada sobre o evento. A organização disse que reapresentou o pedido nesta sexta (28).
Pai de santo do Templo de Umbanda Oxóssi Guaracy e Baiano Tulipitu dos Cocos, Jonathan Pires reúne no Instagram 542 mil seguidores, número expressivo para sua religião.
Lideranças históricas das crenças de origem africana, por ora, não estão entre os convidados anunciados. Pires chamou para a caminhada sobretudo influenciadores, como Pérola dIemanjá, Mãe Lú da família Oxóssi Ibo Caçador e Capitão Rosa Silva, PM que comandou pelotões da Rota, é umbandista e concorreu a deputado federal pelo Avante-SP em 2022.
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