A violência contra a mulher pode ser cometida de diversas formas: verbal, psicológica, física e estrutural. Em todas elas há uma ou mais vítimas que necessitam ter seus direitos resguardados pelo poder público. A notificação dos casos ajuda a criar uma dimensão do tamanho do problema, embora muitas vezes as vítimas prefiram esconder os crimes, seja por vergonha, medo de retaliação, para evitar julgamentos e novas violências ou qualquer motivo que seja.
Ainda assim, cada vez mais mulheres criam coragem de denunciar essas violências. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, os registros de diversos tipos de violência cometidas contra o sexo feminino aumentaram no Pará em 2022, em relação ao ano anterior.
Veja também:
Violência contra a mulher vai muito além da agressão física
A cada 4 horas uma mulher é vítima de violência no Brasil
São elas:
Lesão corporal dolosa - violência doméstica:
■ 2021: 8.783 registros
■ 2022: 9.845 registros
Perseguição a mulheres (stalking):
■ 2021: 552 registros
■ 2022: 1.414 registros
Violência Psicológica contra mulheres:
■ 2021: 773 registros
■ 2022: 1.919 registros
Estupro:
■ 2021: 690 registros
■ 2022: 825 registros
Além do Estado, foi registrado nacionalmente o maior número de estupros da história, um crescimento de 8,2% em relação a 2021, com 88,7% das vítimas sendo do sexo feminino, a maioria delas sendo violadas dentro da própria casa.
As taxas de feminicídio em todo o país também são alarmantes: um aumento de 6,1%. Fora as tentativas, que cresceram 16,9%.
Políticas públicas e registros de denúncias
O crescimento da discussão em torno do assunto pode ser decisivo na hora de denunciar, é o que explica Gabrielle Maués, conselheira seccional e presidenta da Comissão das Mulheres e Advogadas (CMA) da OAB Pará.
“É um fato que as questões de gênero e de violência contra a mulher vêm sendo muito mais discutidas e isso amplia o acesso às informações e canais de denúncia, além de motivar terceiros a denunciar, quando em tempos atrás era comum o discurso de ‘não se meter em briga de marido e mulher’”, afirma.
No entanto, segundo ela, ainda há uma espécie de subnotificação que traz a possibilidade de que os números sejam ainda mais assustadores.
“Sabemos que a subnotificação nesses casos também é elevada. Segundo o Anuário de Segurança Pública de março de 2023, 45% das mulheres não fizeram nada após a agressão e 21,3% delas acreditavam que a polícia não poderia ajudar, outras 14,4%, que não possuíam provas suficientes para denunciar. Então, o recorde de casos da última pesquisa ainda não retrata a realidade da violência contra a mulher no país, infelizmente’, ressalta.
Segundo a conselheira, políticas públicas específicas são primordiais para o combate: “políticas públicas com perspectiva interseccional de gênero, isto é, que reconhecem que mulheres estão em condição social de subordinação em relação aos homens, são fundamentais para a prevenção e enfrentamento da violência contra mulheres”.
Além das especificidades, Gabrielle explica o cuidado necessário ao foco do debate. “Quando se fala em violência contra a mulher, há uma tendência de focar na punição, o que é um erro, dada a complexidade do problema social que é. A violência contra a mulher é multifatorial, então precisa ser combatida em diversos aspectos, sobretudo de conscientização. Logo, é fundamental o avanço de políticas públicas específicas e qualificadas, para que seja possível enfrentar adequadamente a natureza sexista e misógina desses crimes e promover a superação das desigualdades estruturais que normalizam a violência contra a mulher”, diz.
Ainda de acordo com a profissional, o desmonte das políticas públicas a nível federal pode ter contribuído para o aumento desses registros. Entretanto, alguns progressos têm sido recuperados recentemente. “A criação do Ministério das Mulheres e a retomada de programas específicos são avanços; estruturar e qualificar as redes de acolhimento e enfrentamento é primordial. Não apenas pensar em delegacias, mas em serviços especializados relacionados à saúde e assistência social, entre outros, que estejam conectados com o Sistema de Justiça”.
A exemplo disso, a particularidade incluída em programas sociais fundamentais está diretamente ligada ao fortalecimento da pauta: “a recente alteração legislativa que dá preferência à mulheres em situação de violência doméstica no programa habitacional ‘Minha Casa, Minha Vida’ é um ótimo exemplo, pois a dependência financeira é um fator de risco para a violência e esta medida permite que esta mulher tenha certa autonomia”.
Empoderamento feminino na luta
Claudilene Maia, delegada de Polícia Civil e coordenadora do programa Entre Elas, voltado para mulheres em situação de vulnerabilidade e/ou vítimas de violências direcionadas, explica que o empoderamento das mulheres também pode ser considerado um fator determinante para o aumento de registro das denúncias. “O aumento de registro dos casos está diretamente ligado ao empoderamento feminino, que é a consciência interna da mulher se entender como sujeito de direito. Quando ela se entende, ela vai denunciar”, relata.
No âmbito das políticas públicas sociais, Claudilene detalha as principais medidas. “Atualmente, as principais são orientação e prevenção, trabalhar para conscientizar essa mulher, e trabalhar com o empreendedorismo também, romper ciclos de violência é também fazer com que essa mulher tenha independência econômica. Essas são políticas públicas que o Estado vem implementando com efetividade”, completa.
Como denunciar:
Tomar a decisão de denunciar pode não ser simples, contudo, hoje em dia há diversos canais de atendimento que viabilizam e resguardam a vítima, como explicam Gabrielle e Claudilene. “Hoje há muitos canais, o que facilita o acesso. (...) Para além de criação de delegacias, é fundamental investir na qualificação do atendimento em todos os equipamentos de segurança pública, uma vez que em regiões remotas ele será feito na delegacia comum. As equipes precisam estar aptas a oferecer um acolhimento, contar com serviços de assistência social e psicologia, e conhecer as normas que tratam de violência contra a mulher, como a Lei Maria da Penha, e conceitos importantes relacionados à questão de gênero, para que as mulheres se sintam encorajadas a denunciar e acolhidas no momento em que o fizerem”, evidencia Gabrielle.
Ao que a delegada Claudilene reforça: “a mulher pode ir até uma delegacia, ou também, muitas delas possuem canais de segurança pública para denúncia. As políticas públicas facilitam o processo, pois, hoje em dia, nós temos muitas campanhas e publicidade dos atos”.
A presidenta da CMA finaliza enfatizando a diversidade das opções: “além das delegacias da mulher e delegacias comuns, pode se procurar a Defensoria Pública e advogada(o) particular, o Ministério Público, além de diversas organizações da sociedade civil que prestam assistência nesta área”.
Comentar